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Queria poder mudar de guarda-roupas

Diego C. Sampaio
3 min readMay 12, 2022

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E se eu pudesse me despir desse corpo? Não, não é uma analogia a suicídio, só um delírio diurno mesmo. Eu nem sequer gosto da palavra “despir”, quando essa ideia estourou nos meus neurônios a palavra que me veio foi “desvestir”. E se fosse possível me livrar desse saco de carne e fluidos como quem tira uma camiseta suada depois de malhar? Sim, eu disse “malhar”, porque eu tenho idade pra isso. “Treino” pra mim significa outra coisa.

Resolveria um monte de questões, eu acho. Tiraria do caminho a aparência das pessoas e sobraria só as pessoas. Tenho certeza que o conjunto do padrão de beleza mudaria radicalmente seus elementos. Eu, provavelmente, ainda seria feio, até porque minha mente medicada continuaria sendo o mesmo caos. Mas, sem o filtro, o caos pode ser belo, basta estar a uma distância segura dele.

Seria interessante ver as pessoas do tamanho das suas complexidades, com a textura e as cores das suas convicções. Eu seria mais alto do que sou, e minha cor talvez um púrpura, mais puxado pro azul. Eu acho que me sentiriam como uma peça de couro, maleável, mas não macia, texturada mas não áspera. Com certeza o mundo teria várias pessoas muro-de-chapisco em quem ninguém ia querer encostar.

Nos climas, aí já acho mais difícil me classificar. Eu não seria o Ceará, disso eu tenho certeza. Essa terra de sol escaldante com três meses por ano de chuvisco só pra não poderem dizer que nunca escurece. Seria mais ameno, porém, dado a variações bruscas entre o inferno e polo norte. Não acho que exista terra na terra que tenha o meu clima.

Nesse caso, especialmente, falta no planeta um frio que queime, porque há muita gente assim. A quantidade de antártidas incendiárias que anda pelas ruas é assustadora. Gosto dos trópicos, mas sem chuva demais, e aprecio a mesmice dos temperados, onde a neve é tão natural que há sapatos no armário prontos para ela. Me deixo maravilhar pelos tempestuosos mas, como citei acima, só a uma distância segura. Tenho medo de raios.

E os cheiros? Tapar o nariz seria ato de sobrevivência. Os odores moribundos suplantariam os perfumes. E, mesmo dentro dos círculos de flores, eu nunca curti muito alfazema, jasmim. Me lembram o perfume da morte. O meu cheiro seria um daqueles, uma coisa de extremos, um agridoce que uns amam, outros odeiam e outros dizem que não cheira a nada. Em nota não relacionada, isso me lembrou minha infância, em que gasolina e bosta de vaca eram meus dois aromas favoritos. Eu já era eu naquela época.

Gostos são quase como cheiros, não sei se vale a pena pensar sobre eles. Se você pudesse passar a língua na alma de alguém, será que teria sabor? No fim das contas, são como cheiros, azedo, doce, podre. Se eu tivesse que escolher um pra me definir escolheria castanha assada. Um negócio assim meio esquecível, que não é ruim. Minha preferência é por doces, todo mundo sabe, mas com um toque cítrico, chocolate com laranja, talvez.

E, finalmente, como as pessoas soariam. Essa é fácil demais, um monte de sertanejo universitário com funks e forrós ruim (porque existem os bons). Isso tirando os indivíduos que são só uns barulhos esquisitos mecânicos e bestiais. Eu sou um clichê, sou aquele quase rock que não tem coragem de ser hard, nem metal, nem trash, nem punk, mas ama essa galera toda. E, claro, os alternativos, amo os alternativos, mesmo que só por uns cinco minutos no máximo.

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Diego C. Sampaio

Contista e cronista de qualidade discutível (aviso de pseudopoemas na pista), escrevo na intenção de ganhar biscoito de amigos, inimigos e desconhecidos